Efeitos da pandemia sobre os contratos

assinando contrato

O primeiro passo no caminho de se dar solução adequada em algum grau aos contratos é partir da premissa de que estes instrumentos são constituídos de dois elementos na sua base, sendo um de ordem subjetiva e outro de natureza objetiva. Subjetivamente, os contratos se constituem a partir de um movimento mental que se exterioriza por meio de uma manifestação de vontade. Aquele primeiro movimento, ainda na esfera intelectual do sujeito, se desenvolve em determinado ambiente marcado por aspectos históricos, políticos e econômicos.

Portanto, a análise do ambiente em que a decisão de contratar foi tomada se mostra de relevância impar para se decidir sobre a validade e eficácia de um contrato, permitindo, inclusive, definir sobre a incidência de regras que ganham tônus em momentos de crise como a que estamos atravessando, a exemplo da teoria da imprevisão, força maior e caso fortuito. Imaginemos a ocorrência de um fato como do COVID há 20 anos atrás, quando não dispúnhamos de serviços de internet minimamente adequados como hoje, certamente o debate sobre os contratos escolares seria outro. Por esta razão, temos que qualquer decisão judicial tomada sem a prévia análise desses dois aspectos, com a devia venia, nos parece temerária, podendo causar mais prejuízos às relações contratuais e à própria economia do que soluções.

Os conflitos jurídicos provocados por crises, como a que vivemos, de tal ordem complexa, não podem receber respostas superficiais e genéricas, como por exemplo, “o consumidor não deu causa a esta crise, pois bem! Mas o fornecedor também não. Menos adequado ainda nos parece a tomada de decisões com aplicação de critérios puramente subjetivos, do tipo: o valor do contrato deve ser reduzido em 30%, por melhor que possa ser a intenção de quem decide. Qual o critério utilizado? Proporcionalidade? Mas o que isto significa? Qual o parâmetro da proporcionalidade?

O Direito não admite palavra soltas, jogadas ao vento. Uma resposta jurídica inadequada aos conflitos dessa natureza, sobretudo em momentos críticos como o presente, resultará exatamente no inverso daquilo que se projeta com a realização de um contrato, a garantia de uma relação equilibrada, de segurança na relação contratual, alguma margem de previsibilidade.

O Judiciário nacional já teve oportunidade de firmar entendimento no sentido de que não basta alegação de que o fato ocorrido era imprevisível, mostrando-se indispensável avaliar o grau de (im)previsibilidade. Agora, como proceder quando diante de fenômenos absolutamente imprevisíveis como o da COVID-19? Aplica-se ou não a teoria da imprevisão? Pode ou não cobrar multa no caso de rescisão contratual? No caso da escola, pode ou não continuar cobrando o valor integral da mensalidade? O primeiro caminho, não pode ser outro senão, o ajuste absolutamente consensual entre as partes.

A sugestão, especialmente para as escolas, tem sido a criação de comissão de pais e representantes da Instituição para fins de adotar soluções mais equilibradas, não se obtendo o resultado esperado por este caminho, não há dúvida que levar o caso para o Judiciário será, infelizmente a única solução. Mais quais saídas jurídicas? Quais os parâmetros a serem utilizados pelo juiz para interpretar o caso? Os locatários de espaços em shopping center, tem direito a suspensão da cobrança do aluguel até o retorno das atividades comerciais.

Com a devida venia a quem pensa dessa forma, este não parece ser o melhor caminho. O argumento de que o contrato escolar previa aulas presenciais e, portanto, ofertar aulas on-line implica em violação do contrato, nos parece descabida, na medida em que a modificação da forma de realização do serviço só se deu por ocasião da condição sanitária imposta pela pandemia, se não há culpa dos pais/aluno, também não há da escola. É importante frisar que não se tem no caso uma violação contratual por entrega de produto diverso do contratado, salvo se o serviço entregue não corresponder ao contratado em termos de qualidade. Da mesma forma também não se justifica a escola que pretenda impor aulas on line para as crianças do berçário ou ensino infantil, como forma de justificar a cobrança das suas mensalidades. Também não pode ser beneficiado pelo tratamento jurídico diferenciado, o sujeito que já estivesse inadimplente com suas mensalidades ou aluguel no caso dos contratos de locação, querendo agora se valer da crise pandêmica para justificar a rescisão contratual sem incidência das multas contratuais.

Especificamente quanto aos contratos de locação, é preciso levar em conta todo um cenário fático envolvido. Por exemplo, é razoável que um comércio, que a despeito da crise e de suas portas físicas fechadas, tenha mantido de alguma maneira seu faturamento nos mesmos níveis alcançados antes da crise, pleitear redução ou até isenção do aluguel? Cremos que não, sob pena de provocar desequilíbrio na relação pesando sobre o proprietário do imóvel um ônus que não se justifica de qualquer forma. Da mesma forma o sujeito que, já no período pandêmico firma contrato, por exemplo, de turismo. Impedido de realizar sua viagem pode ele pleitear cancelamento, isenção de multas, etc, sob alegação de que estamos na pandemia, uma situação de exceção? Absolutamente, não, visto que já contratou em um ambiente de risco, devendo suportar as consequências jurídicas de sua negligência.

O mais adequado, nos parece, diante de todas as excepcionalidades jurídicas impostas pela crise do COVID-19 é decidir a partir das características específicas de cada caso, evitando-se decisões com fundamentos abstratos e genéricos, como se o simples fato de estamos em momento de pandemia se mostrasse suficiente para justificar revisões contratuais, definitivamente não autoriza.

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