Recuperação de empresas e Justiça gratuita

Empresa e funcionário com papéis com relatórios sobre a mesa

A questão envolvendo a concessão dos benefícios da justiça gratuita às empresas que se encontram em processo de recuperação judicial, tem se mostrado um dos pontos de maior polêmica, especialmente na Justiça Estadual, visto que na Justiça do Trabalho, há previsão expressa resolvendo a questão (art. 899, § 10 da CLT).

Especialmente em tempos de crise econômica, como os vividos em decorrência da pandemia provocada pelo COVID-19, os pedidos de recuperação judicial de empresas apresentam forte crescimento, impondo ao Poder Judiciário o enfrentamento das questões como as que envolve o dever dessas empresas de recolhimento das custas e despesas inerentes ao trâmite de todo processo judicial.

Vale esclarecer, sobretudo para aqueles que não lidam com o sistema de justiça, que a propositura de qualquer ação judicial impõe ao seu autor o recolhimento de custas, que no Estado de São Paulo, corresponde a 1% sobre o valor da causa que, segundo orientação do STJ deve equivaler a soma dos créditos sujeitos a esse procedimento, ou o benefício econômico como resultado da ação. Contudo, é preciso tomar em conta que outras despesas eventualmente serão necessárias para o adequado desenvolvimento do processo, diligências de oficial de justiça, eventuais periciais contábeis, honorários advocatícios, cuja soma, pode produzir impacto no já fragilizado caixa da empresa.

Por outro lado, visando garantir o pleno acesso à justiça para todos, a Constituição Federal estabelece em seu artigo 5º, inciso XXXV – a inafastabilidade da atuação do Poder Judiciário, o que em outras palavras, significa que todo aquele (pessoa física ou jurídica) que entender que um Direito seu está na ameaça de ser violado ou que já tenha sido eventualmente violado, poderá bater às portas do Poder Judiciário para pleitear a adequada solução do conflito.

Visando ofertar o máximo de efetividade a esta garantia constitucional, o código de processo civil vigente estabelece em seu artigo 98, que “a pessoa natural ou jurídica, brasileira ou estrangeira, com insuficiência de recursos para pagar as custas, as despesas processuais e os honorários advocatícios tem direito à gratuidade da justiça, na forma da lei.”

No caso da pessoa natural, estabelece o parágrafo 3º do artigo 99 do CPC, que a declaração de impossibilidade de pagamento de custas, goza de presunção de veracidade, podendo ser indeferido o pedido caso o juiz encontre nos autos provas em sentido contrário e/ou se a parte contrária demonstre igualmente o contrário.

Por outro, nos casos envolvendo pessoas jurídicas, não há qualquer previsão expressa no sentido de ser suficiente a simples declaração de impossibilidade de custear as despesas do processo, menos ainda, o simples fato da empresa estar em situação de recuperação judicial permite presumir sua impossibilidade de arcar com as despesas do processo.

Contudo, necessário também considerar o erro, com a devida venia àqueles que pensam de modo diverso, na conclusão automática de que não tendo a empresa condições de pagar as despesas do processo, a sua situação não permitiria a recuperação, devendo ser declarada a sua falência diretamente.

Nesse sentido, os dois extremos nos parecem equivocados. Se é verdade que o simples fato da empresa estar em procedimento de recuperação judicial não lhe garante automático direito de isenção das custas judiciais, da mesma forma se mostra falsa a ideia de que o fato da empresa não ter condições de custear o processo demostre a inviabilidade de sua recuperação, devendo ser declarado diretamente sua falência.

Importante considerar que o procedimento de recuperação judicial muitas vezes, decorre da necessidade da empresa se reorganizar financeiramente, de modo a permitir sua continuidade com a preservação da sua estrutura. É perfeitamente possível e real, que a empresa esteja completamente desprovida de recursos no início da recuperação, mas demonstrando viabilidade econômica, por isso a possibilidade de recuperação.

Portanto, é plenamente possível que em determinado caso, a empresa não apresente condições de assumir as despesas do processo, o que está longe de indicar sua falência necessariamente.

A orientação para estes casos, pensamos, é de que compete ao magistrado, analisar o caso concreto e conduzir a questão com a mesma cautela que deverá conduzir a própria recuperação, por exemplo, abrindo a empresa a possibilidade de parcelamento das despesas do processo, nos termos do que permite o artigo 98, § 6º do CPC, ou ainda, diferir seu pagamento para o final do processo, até mesmo como condição para que a empresa deixe o procedimento de recuperação judicial. A questão, portanto, exige do magistrado mais de gestão e colaboração do que propriamente de decisão pautada em rasa legalidade, considerando as peculiaridades do caso concreto, impondo, por outro lado, a empresa a compreensão de que a recuperação judicial não representa automático alvará para não custear o sistema de justiça, sendo seu o ônus de comprovar tal impossibilidade.

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